Você consegue ser boa pra você quando está perto da pessoa que mais "ama"?
Essa pergunta cruzou minha mente como um carro desgovernado prestes a bater no próximo barranco que encontrar.
O último episódio do BBB (programa que acompanho apenas via Twitter, confesso) com certeza trouxe à tona memórias de muitas mulheres, pelo menos foi assim comigo. Se você não sabe do que eu estou falando, leia aqui.
Para além do assédio físico, visível e à mostra para quem quisesse ver, me chamou a atenção a reação da mulher que passava por aquela situação e tentava ser simpática, educada e até mesmo amável com quem a constrangia, com quem invadia os seus limites. O choro da mulher que se sentiu culpada e/ou responsável pelas consequências a que seus assediadores foram submetidos.
Quantas vezes foi você ali, se perguntando qual a sua dose de responsabilidade no abuso que você sofreu? (#spoiler: você não teve culpa)
Para a sociedade patriarcal em que estamos inseridas, é importante - e por que não dizer útil - que as mulheres sintam constrangimento pelas atitudes dos homens que as rodeiam e as assediam. O constrangimento leva ao questionamento, que leva à culpa, que leva ao silêncio.
Há algumas semanas eu me questionei se estava mesmo tomando a atitude certa ao me afastar de maneira significativa (e até abrupta) de uma pessoa que esteve presente na minha vida pelos últimos quase 20 anos. “Precisa ser assim? Qual a minha parcela de responsabilidade em tudo que foi vivido e o que eu posso fazer? Não estou sendo exagerada?”
Foi aí que o alerta "cilada Bino" tocou e eu fiz um esquema mental para pontuar tudo que tinha me levado a tomar esta atitude. A frase que me apaziguou foi "enquanto eu era uma pessoa melhor para o outro, eu era uma pessoa ruim para mim. Eu sou uma pessoa melhor para mim agora".
Gosto muito do que diz Rico Dalasam, em uma das letras mais primorosas que já ouvi:
Agora,
"Tudo em mim é grande
Eu ajoelho pra que aviões passem
Eu levanto para que as nuvens andem
Eu afundo pra que os mares se acalmem
Me retiro pra que a lua brilhe
E nesse instante, declaro: fim das tentativas!"
Para chegar nessa frase que jogou luz sobre minha decisão, eu precisei de 15 anos de terapia, rezas, desabafos constantes com as amigas, colo de mãe, choro, crises e mais crises de ansiedade & questionamentos se eu era o que se esperava de mim.
Existem muitas formas sutis e praticamente imperceptíveis de fazer com que a gente duvide se está passando por uma situação específica, se estamos passando por abuso moral ou até mesmo físico, se estamos sendo manipuladas, subjulgadas. Neste momento aliás eu me questionei, mesmo sabendo de todas as nuances que me trouxeram aqui.
Se você se sente invalidada, saiba que EU TE VEJO e sinto muito.
Homens em geral não estão acostumados a lidar com as consequências das suas atitudes em relação às mulheres que os rodeiam. Homens muitas vezes nem mesmo acreditam na gravidade das suas escolhas e, mesmo se declamarmos em alto e bom som as narrativas a que fomos submetidas, nos perguntarão, "tem certeza?, Você não sacou antes? Porque ficou tanto tempo nessa situação? Você sabia que ele era assim né".
Neste meu caso específico, se questionados, meus amigos diriam inclusive que a pessoa em questão é uma das melhores que eles conhecem. “Tão gente boa”, afirmariam.
Nem todo homem mas sempre um homem, minha amiga. 🤡
Quando minha terapeuta relatou há alguns meses de forma crua os indícios de que eu estava passando (há anos) por uma situação de manipulação, eu tive uma crise de riso seguida imediatamente de um choro compulsivo que durou um fim de semana inteiro. Eu, a brava, a esperta, a estudiosa do feminismo, a estudante de doutorado, a que pega e resolve tudo, passando por algo tão perceptível?
A verdade é que a cada vez que eu repasso as histórias vividas eu consigo sentir a frustração e a dor de cada um que tentou me alertar, me cuidar, me sacudir. Amigues, obrigada por estarem sempre ao meu lado, mesmo quando eu mesma não estava.
Estejam atentos, atentas, atentes às suas amigas, parceiras, filhas, mães. São séculos de subjugação e, se elas não enxergam, empreste seus olhos. Se ainda assim não for possível, seja a rede de apoio para quando a queda livre vier. Ela vem, confia.
Se você reparou, a palavra "ama" da minha pergunta inicial, reparou que ela está entre aspas, porque não era amor, era cilada, Bino. Uma relação (seja da natureza que for, vamos falar de amigues abusivos na próxima?) não deve ser uma justificativa para aceitar comportamentos abusivos ou prejudiciais para nossa saúde mental e emocional.
Bora? Ainda estou aprendendo também.
(Tudo em todo lugar ao mesmo tempo - 2023)
A Bel deu o tom da newsletter da semana e eu, na sequência, venho com recomendações.
A série The Morning Show, original da Apple TV, é produzida e estrelada pela dupla Jennifer Aniston e Reese Witherspoon.
Só esses dois nomes juntos já valeriam o play, mas cabe também dizer que o roteiro é excelente e que a questão do abuso é discutida de forma responsável, jogando luz em um ambiente bonito por fora e podre por dentro. A primeira e segunda temporada estão disponíveis no streaming.
O jornalista Ronan Farrow, filho de Mia Farrow e Woody Allen - diretor acusado de abuso pela própria filha - se dedicou a investigar o caso de Harvey Weinstein, very important person do mundo do entretenimento, agora condenado por seus crimes de teor sexual. A pesquisa se desdobrou em três: primeiro um livro - disponível em português -, depois um podcast de entrevistas e, por último, uma série exclusiva da HBO que mostra os bastidores dessas mesmas entrevistas. É necessário dar o aviso de gatilho, mas é impressionante o trabalho que o jornalista tem de dissecar e entender como funciona o esquema que protege homens acusados de abusos em Hollywood.
Por hoje é só. Obrigada pela leitura! 💌
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Amei essa news! Eu sinto muito que você tenha passado por isso :( um abraço muito carinhoso
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